“A sociedade é um meio hostil às mães e à criação dos filhos”

Diana Oliver | El País

“O ideal materno oscila entre a mãe sacrificada, a serviço da família e das crianças, e a superwoman capaz de conseguir tudo conciliando trabalho e criação dos filhos.” Com essa frase lapidar a escritora Esther Vivas inicia seu livro “Mamãe desobediente. Um olhar feminista para a maternidade”, em que a jornalista espanhola analisa os desafios das mães de hoje.

Faz isso com seu habitual estilo reivindicativo e sem esquecer de onde vamos e para onde vamos, baseando-se em interessantes referências que vão das sufragistas às associações que dão visibilidade a fenômenos como a amamentação e o parto. Também nos põe frente a frente com questões tão polêmicas como a maternidade sub-rogada, as licenças por paternidade e maternidade iguais e intransferíveis, a violência obstétrica, o direito a um parto respeitado e o negócio da lactação artificial.

“A forma como vamos viver a maternidade depende não só das práticas que possamos levar a cabo, mas também do meio onde se exerça essa maternidade”, diz a autora. Uma maternidade que, na opinião da jornalista espanhola, não poderemos viver livremente se não nos rebelarmos contra o establishment. Ou, indo além, se não transformarmos a maternidade em um assunto público, para que ocupe o lugar onde sempre deveria ter estado.

Neste Dia da Mulher, celebrado todo 8 de março, a maternidade é um dos temas centrais quando analisamos as mudanças necessárias para alcançar a igualdade de gênero na sociedade.

Pergunta. A maternidade é um assunto incômodo para o feminismo. Como você definiria uma maternidade feminista?

Resposta. Para mim, uma maternidade feminista é uma maternidade desobediente, uma maternidade insubmissa, que rompe com os arquétipos que nos impuseram ao longo da história, que rompe com a maternidade patriarcal que manteve presas as mães no lar e que desvalorizou o trabalho dos cuidados dos filhos. Também acredito que seja aquela que rompe com a concepção neoliberal atual da maternidade em que a criação e o cuidado dos filhos ficam submetidos ao mercado.

Quando falo desta maternidade insubmissa, rebelde, desobediente, não se trata tanto de idealizar a maternidade como de lhe dar esse valor político, social e econômico que ela tem e que lhe é negado.

P. O que diria que o feminismo tem a oferecer à maternidade, e vice-versa?

R. Tradicionalmente a maternidade é um tema muito incômodo para o feminismo, porque é um mecanismo de controle do patriarcado. O feminismo se rebelou contra essa imposição, mas não foram feitos debates de fundo sobre o que implica a maternidade, e fica uma relação mal resolvida entre feminismo e maternidade. Portanto, não acredito que se trate de renegar do fato de sermos mães, mas sim das condições em que somos mães no patriarcado. O problema da maternidade não é a maternidade em si mesma, e sim a instrumentalização que o patriarcado fez da maternidade. Sob um ponto de vista feminista, o que se deve fazer, e cito Adrianne Rich, é romper com essa “instituição” da maternidade, com essa imposição do que deve ser a maternidade, e recuperar a experiência materna sem idealizá-la, para poder vivê-la livremente.

P. Você mencionava antes que devemos dar à maternidade o valor político, social e econômico que ela tem. Deve então ser um assunto público?

R. Claro, a maternidade e a criação dos filhos devem ser um assunto público. Viver a maternidade de uma maneira plena não é algo que deva ser reivindicado não só de um ponto de vista individual, mas também sob um prisma social e político, porque, afinal, a forma como a vamos viver não depende só das práticas que possamos levar adiante, mas também do meio onde se exerce essa maternidade. E o meio, infelizmente, é um meio hostil à criação, hostil às mães. A violência obstétrica é um claro exemplo de como não se levam em conta as necessidades das mães. Também se vê claramente na amamentação, porque vivemos em uma sociedade que dificulta esta prática.

“Como é possível que práticas tão essenciais para a reprodução humana, como gerar, parir e amamentar, sejam profundamente ignoradas?”

É preciso deixar claro que sem outro modelo de reprodução social fica muito difícil viver outra maternidade que rompa com o binômio entre a maternidade patriarcal e a maternidade neoliberal.

P. Não sei se as mães estão sendo ouvidas em nível social. Vem-me à cabeça o movimento PETRA pela ampliação das licenças-maternidade e a reivindicação, por parte de entidades como a AEPap (Associação Espanhola de Pediatria de Atenção Primária) para a licença chegue a pelo menos seis meses, a fim de facilitar a amamentação.

R. Em geral as mães têm sido interpretadas como sujeitos passivos, não como sujeitos ativos. E o que vemos nos últimos tempos é que se entrou em uma dinâmica de organização das próprias mães ante um contexto que se constatou ser hostil a uma série de direitos que como mães nós deveríamos ter, como o direito a um parto respeitado, a poder amamentar onde e quando quisermos, ou a termos subsídios e ajudas dignas.

A licença-paternidade [na Espanha] foi ampliada em 150% em apenas um ano, enquanto a de maternidade não aumentou nada e continua sendo igual desde 1989. Em 30 anos a licença-maternidade não saiu das 16 semanas. Entidades como a PETRA são o resultado de uma proposta de licenças iguais e intransferíveis que menosprezam as demandas e as necessidades de um número significativo de mães que querem o direito de poder cuidar de seus filhos. Essa demanda não é incompatível com licenças de paternidade que necessariamente precisam ser maiores. O problema é que o debate das licenças iguais e intransferíveis põe a ênfase em ampliar a licença-paternidade, que obviamente é preciso ser ampliada, porque é escassa, mas é óbvia a necessidade de ampliar a licença-maternidade. Do meu ponto de vista, o desafio é como ampliamos a licença-maternidade para que seja compatível com os seis meses da amamentação materna exclusiva, sem deixar ao mesmo tempo de ampliar a de paternidade.

P. Mães sozinhas, mães adotivas, “madrastas”… Há muitas formas de ser mãe, mas sobre a gestação sub-rogada (as chamadas “barrigas de aluguel”, autorizadas em alguns países) você está segura: “Não é uma técnica de reprodução assistida, e sim um processo biológico mercantilizado pelo sistema capitalista…”.

“A violência obstétrica é um claro exemplo de como não se levam em conta as necessidades das mães. Também se vê na amamentação”

R. Quando falamos em “barrigas de aluguel” não podemos negar que por trás disso há interesses econômicos muito concretos. Mas o que é preciso assinalar muito claramente é que a gestação sub-rogada transforma o útero da mulher e a gestação em objetos de negócio. Está claro que querer ser mãe e querer ser pai é muito compreensível, mas não se podem antepor os desejos individuais a direitos de terceiros, como são os direitos dos bebês e das mães gestantes. Além disso, não podemos esquecer que as mulheres que fazem esse tipo de prática estão em uma condição de desigualdade econômica e social muito importante; se fazem isso é porque precisam de dinheiro.

P. Ser mãe é um direito ou um privilégio?

R. Acho que ser mãe é um direito, mas um direito que não pode se chocar com os direitos dos outros. Não se pode impor o direito de ser mãe violando o direito de outra mulher ou de um bebê, se falarmos de gestação sub-rogada, por exemplo. Quanto a se ser mãe é um privilégio, acredito que atualmente estejamos vivendo em um contexto em que verdadeiramente seja, no sentido de que não se dão as condições necessárias para poder exercê-la de maneira livre.

Atualmente, a maternidade já não é um destino único para as mulheres, podemos escolher se queremos ou não sermos mães, mas neste contexto, em que se supõe que somos livres, o que os dados constatam é que as mulheres têm cada vez mais dificuldades de poderem agir como mães. Quando olhamos os dados, vemos que uma em cada quatro mulheres nascidas em 1975 não serão mães, e a maioria não será apesar de desejá-lo. Na Espanha há uma grande diferença entre os filhos que as mulheres querem ter e os que finalmente têm. A precariedade trabalhista, o preço da moradia e as dificuldades econômicas conduzem a problemas de fertilidade, porque se adia o fato de ter filhos. Aqui é que a maternidade pode se tornar mais um privilégio que uma prática exercida de uma maneira livre.

P. O livro está impregnado da sua experiência vital como mãe. Sua maternidade mudou a forma de ver a própria maternidade?

“As mulheres têm cada vez mais dificuldades de poderem agir como mães. A precariedade trabalhista, o preço da moradia e as dificuldades econômicas conduzem a problemas de fertilidade, porque se adia o fato de ter filhos.”

R. Claro. Nunca antes de ter um filho eu havia parado para pensar no que a maternidade implicava. É como resultado de ficar grávida, de procurar informação sobre o parto, quando me dou conta da quantidade de direitos que nos violam como mulheres, começando pelo direito a um parto respeitado. A semente de Mamá Desobediente está aí e na pergunta: como é possível que práticas tão essenciais para a reprodução humana, como gerar, parir e amamentar, sejam profundamente ignoradas? E ignoradas não só em nível social e político, mas inclusive nos espaços de ativismo social.

P. Por último, do que acha que precisamos para “desconstruir” os infinitos mitos que cercam a maternidade?

R. Acho que é necessário nos reapropriarmos da maternidade em um sentido feminista e emancipador, resgatar o exercício materno do patriarcado. Temos esse lema feminista que é tão claro e que diz que “o pessoal é político”, porque a maternidade também é. E não se trata de ter uma visão romântica dela, e sim de reconhecer o papel fundamental que a maternidade desempenhou e desempenha na sociedade, e lhe conferir o lugar que lhe cabe.

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