Maria Aparecida Ferrari y Sheila Prado Saraiva | Organicom
ORGANICOM. Esther Vivas, seu chamado nos convoca a uma maternidade feminista e, ao mesmo tempo, aos feminismos para que olhem para a maternidade. Por que acontece esse distanciamento e por que o reencontro entre feminismos e maternidades é necessário?
ESTHER VIVAS. O distanciamento relaciona-se com o sequestro da maternidade pelo patriarcado ao longo dos séculos, pois foi utilizado como instrumento de controle do corpo e destino da mulher. Foi contra esse mandato patriarcal da maternidade que as mulheres da segunda onda feminista – nos anos 1960 e 1970 – se rebelaram, dando ênfase aos instrumentos de liberação e controle de seus próprios corpos, por meio dos anticoncepcionais, aborto e outros temas. A ativista norte-americana Adrienne Rich já propunha nos anos 1970, em seu livro Nacemos de mujer, a reconciliação de feministas com a maternidade. Infelizmente, foi uma das poucas vozes que tocou neste tema. Agora, na quarta onda feminista, está surgindo um outro olhar mais reconciliador, observando a maternidade com menos julgamento e dotada de direitos.
Vejo neste momento uma nova oportunidade para olhar a maternidade a partir de uma perspectiva de gênero, colocando em evidência temas do âmbito privado para o público, como a menstruação, a saúde sexual com perspectiva de gênero, a sexualidade feminina e, claro, a maternidade.
O. No seu livro, Mamãe desobediente (edição brasileira, Editora Timo, 2022), você traz um ensaio ricamente documentado que retrata os desafios de ser mãe na sociedade atual. Entre eles, expõe como nossas experiências nos levam ao binômio da “maternidade patriarcal abnegada” ou da “maternidade neoliberal”, subordinada al mercado. Quem é essa mãe no imaginário coletivo? Qual é a via alternativa?
EV. A maternidade é resultado de uma construção social e cultural determinada pelo sistema patriarcal e capitalista. Isso faz com que as mães se olhem no espelho e vejam o imperativo de ser a mãe abnegada de toda a vida, única responsável pelos cuidados de seus filhos, com dedicação intensiva e uma projeção idealizada da mãe que cuida de todos e que não tem outra função. Mas, ao mesmo tempo, esse espelho da maternidade mostra a supermãe, que pode com tudo, que sempre está disponível para mercado de trabalho, que nunca erra, que tem um corpo perfeito, condicionada às necessidades do mercado, que deve trabalhar como se não tivesse filhos.